quinta-feira, 19 de março de 2009

N A T I V I D A D E

- Me deixa ir embora ... dizia soluçando; somente o zumbido invisível de um vento ar faltando ... pelo amor de Deus!
- É pelo meu amor que estás aqui. Reboou trovão amplificado de medo.
Imóvel! Era como se alguém falasse por ele. A atmosfera viscosa turvava-lhe a visão. Impossível discernir suas feições, que se transformavam continuamente. Todas as pessoas do mundo se faziam presentes: altos, gordas, outra cor, aleijados; cada segundo uma nova personagem. De relance reconheceu seu pai, sua irmã, aquele artista. Também animais com a repugnância de uma barata gigante, ou era seu cachorro na figura líquida de um boto de chifres?
- Quero levar-te aonde queres ir. Dizia numa polifonia de tons e vozes igual mutantes.
- Eu não quero. Me deixa!
- Criança, em verdade, não vais a lugar algum. Estás, sim, voltando de todos os lugares. Falou a voz mansa dum recém-nascido. - É o medo que fecha tua mente. Completou a língua nodosa da velha entrevada.
Olhou ao redor. Buscava uma saída, mas o que se parecia com portas fugia do seu toque como serpentes de areia. Agora, sua única esperança era que a criatura não lhe desejasse mal. Coragem dos condenados, encarou o dragão:
- Que vai fazer comigo? Diga logo!
- Nada farei se assim não desejares. Peço somente que abras o coração, pois a verdade não cabe nos ouvidos. O rugido do pássaro de fogo falou-lhe de mundos soltos no espaço e perdidos no tempo. Da grande viagem. Do nascimento daquele que iria guiar os homens de volta, mas não o compreenderam pois estavam cheios do mesmo temor que ela sentia. Agora a viagem estava no fim.
- E é preciso que ele nasça de novo - finalizou o anjo de luz.
A mulher não podia acreditar. As imagens palavras sucediam-se desenhando o vértice da loucura. Ela não queria acreditar, tinha que ser algum truque, um sonho.
- Eu creio.
E fez-se segundo a sua vontade. Uniu sua carne ao verbo. Entregou-se toda por amor ao amor e dormiu de bruços.
Manhã. Ele acordou sobressaltado. A garota ressonava profundamente. Tenho de me mandar logo, antes que essa idiota fique boa do barato. Esvaziou os bolsos os bolsos dentro da privada. Vestiu as calças e foi-se embora sem pagar o motel.

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